segunda-feira, 14 de abril de 2008

A arte de ler - TEXTO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA TODAS AS TURMAS

Sobre o hábito da leitura
por Ana Miranda
Nessas viagens que faço pelo Brasil, professoras e professores me pedem sugestões para melhorarem os índices de leitura de suas crianças. Então, tenho pensado nisso. Vejo o esforço dos professores, levando as crianças à biblioteca, promovendo sessões de leitura, chamando contadores de histórias... o esforço dos pais, comprando, muitas vezes com sacrifício, livros para seus filhos; e o esforço dos governos, distribuindo livros, provendo bibliotecas (o governo federal é o maior comprador de livros em nosso país). Há um projeto em andamento que prevê a criação de bibliotecas, mais de mil, em cidades que não as têm. É importante tudo isso. Mas não muda a situação. A situação da leitura no Brasil é muito precária, e nem é preciso dizer aqui as conseqüências dessa nossa debilidade. Todo o conhecimento acadêmico da humanidade está nos livros. É preciso ler, e saber ler. Nesses países chamados de Primeiro Mundo, a média de leitura é de dez livros por ano, a cada habitante. Na França, cada pessoa lê, em média, 25 livros por ano. No Brasil, pouco mais de um livro por ano, por brasileiro. O nosso paradoxo: dizem que as pessoas não lêem porque os livros são caros, mas os livros são caros porque as pessoas não lêem, as tiragens são pequenas e o custo é mais alto, por exemplar. Essa é uma explicação simplista. A questão é cultural, profunda, vem desde nosso passado colonial. Creio que é muito difícil tornar um adulto não leitor em leitor. Seria preciso fazer uma longa e massiva campanha, como vem sendo feita, há décadas, pela mudança nos hábitos relativos à saúde física. Um esforço de diversos setores da sociedade, como médicos, imprensa, poderes públicos, com resultados visíveis. Mas nunca houve algo parecido, no que toca a leitura. As campanhas são isoladas, restritas. Mas é muito fácil tornar uma criança em leitora. As crianças costumam adorar os livros, as histórias, as ilustrações, têm sede de conhecimento, de fantasias e descobertas, estão em fase de formação, e de adquirir os gostos e hábitos que as acompanharão por toda a vida. A solução seria introduzir no currículo escolar a matéria leitura. Uma matéria agradável, de baixo custo e grande rendimento, que não precisa de novos professores, nem de professores especializados. Basta instruir os professores: leiam com as crianças, todos os dias. O livro deve estar presente, ali perto, ao alcance da mão. É preciso haver em cada sala de aula uma estante com livros, e que todos os dias as crianças fiquem, por um tempo qualquer, meia hora, uma hora, lendo ou ouvindo a leitura, manuseando livros, olhando-os, criando intimidade e amizade com o livro. Todos os dias. E um livro deve ser levado para casa, diariamente, a fim de que os pais promovam também um horário de leitura, todos os dias, mesmo que por apenas meia hora – o que pode ser medido por um questionário a ser preenchido pelos pais: quantos minutos a criança teve de leitura? leu sozinha? leu em voz alta? teve alguma dificuldade em alguma palavra? Não importam tanto as perguntas, o que importa é o envolvimento dos pais no processo. O processo é o de trazer o livro para o cotidiano, ele deve fazer parte da rotina, tanto na escola como em casa. Não basta gostar, é preciso ter o hábito.
Ana Miranda é escritora, autora de Boca do Inferno, Desmundo, Amrik, Dias & Dias, entre outros livros. www.anamirandaliteratura.hpgvip.com.br